Às margens de um "rio de areia", ribeirinhos perderam a principal fonte de renda: o peixe. Rio Madeira marcou uma sequência de níveis mínimos nunca registrados nos últimos 60 anos.


Rio Madeira seco 2024 — Foto: Edson Gabriel

Porto Velho, RO - Em menos de 24 horas, o Rio Madeira bateu um novo recorde negativo: chegou a 58 centímetros, em Porto Velho, na noite da quarta-feira (11). Essa é uma nova mínima histórica, pelo quarto dia consecutivo, segundo dados do Serviço Geológico do Brasil (SGB).


O cenário reflete diretamente na vida das pessoas que vivem às margens do rio: a pescadora Raimunda Brasil mora na comunidade Bom Será, em Porto Velho, e tem a pesca como principal fonte de renda. Com a seca extrema, a margem do rio "desapareceu", assim como o sustento da ribeirinha.

“Às vezes não tem água pra nada, nem pra cozinhar. Eu e minha família já tivemos que descer o barranco, caminhar na areia e tomar banho com a água do rio”, disse a pescadora.

Somente em Porto Velho, mais de 50 comunidades vivem às margens do Rio Madeira. O rio Madeira possui quase 1,5 mil quilômetros de extensão em água doce e é um dos maiores do Brasil e do mundo, além do mais longo e importante afluente do rio Amazonas.


A comunidade ribeirinha de Bom Será fica a 80km da zona urbana de Porto Velho. A situação por lá é semelhante a outras comunidades ribeirinhas: sem água potável, os moradores precisam fazer "improvisos" para continuar sobrevivendo.


Sem água, sem peixe e sem renda

A pescadora Raimunda Brasil mora na comunidade Bom Será há 12 anos. Ela e sua família tiram do rio a principal fonte de renda: o peixe. Em meio a um cenário de seca extrema, o rio Madeira secou e abriu espaço para enormes praias de areia. A água que se foi e levou consigo o que sustentava a casa de Raimunda. Para tentar sobreviver, a pescadora revela que buscou outras ocupações.


Raimunda Brasil e sua filha — Foto: Marcos Miranda

“Não tem peixe, não consigo pescar. Minha principal fonte de renda é o rio, sem ele estamos nos virando para sobreviver. Nos últimos tempos, meu marido se divide em serviços de pedreiro e barbeiro e eu vendo alguns produtos em casa para conseguirmos nos sustentar” relatou.

Agora a realidade na casa da pescadora é inversa: ao invés de pescar e vender, ela compra peixe de outras regiões para conseguir se alimentar. Segundo a ribeirinha, essa é a pior estiagem que ela e sua família estão passando desde que se mudaram para a comunidade, há mais de uma década.


Raimunda Brasil — Foto: Marcos Miranda


Para onde os peixes do rio Madeira foram?

Há duas explicações para o desaparecimento gradual dos peixes, de acordo com o biólogo Flávio Terassini: os bancos de areia que se formam com o baixo nível das águas dão origem a lagos; alguns grupos de peixes ficam isolados nesses lagos e morrem pela falta de oxigênio.

Outro motivo seriam as barreiras que os bancos de areia criam, impedindo a migração dos peixes para outras regiões.

Na comunidade Maravilha, também em Porto Velho, um Igarapé localizado secou, causando a morte de dezenas de peixes e dificultando o acesso à água para os moradores da região. Segundo a Defesa Civil Municipal, situações como essa ocorrem na região de Maravilha e em várias outras comunidades ribeirinhas, lagos e igarapés de Rondônia.

Veja o vídeo abaixo:

Igarapé seca e causa a morte de dezenas de peixes durante estiagem severa em Rondônia


‘Não tem água pra nada’

Raimunda e outros mais de 140 ribeirinhos que moram na comunidade Bom Será sofrem com a falta de água potável. Sem água encanada, eles dependem de medidas alternativas, como poços amazônicos ou drenagem do próprio rio Madeira.

Raimunda revela que o único poço que abastece a população está quase seco e o volume não atende as necessidades básicas de todas as pessoas.

“Às vezes não tem água pra nada, nem pra cozinhar. Eu e minha família já tivemos que descer o barranco, caminhar na areia e tomar banho com a água do rio”, disse a pescadora.


Recipiente da Raimunda — Foto: Marcos Miranda

Muitas famílias ribeirinhas vivem com menos de 50 litros de água por dia para abastecer toda a residência. A quantidade é menos da metade dos 110 litros por dia considerados pela Organização das Nações Unidas (ONU) como necessários para suprir as necessidades básicas de apenas uma pessoa.

Para ajudar a diminuir os impactos da seca, a Defesa Civil de Porto Velho iniciou a distribuição de água potável para a comunidade Bom Será e outras 15 ao longo do Rio Madeira. A água será entregue periodicamente até o mês de novembro. Cerca de 700 famílias serão atendidas no enfrentamento da seca na região.


Ribeirinhos recebem a água potável — Foto: Marcos Miranda


Hidrelétricas operam abaixo da capacidade

Diante da crise hídrica, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, duas das maiores do Brasil, operam com apenas 20% e 14% de suas turbinas, respectivamente. Embora seja esperado que a produção de energia diminua em períodos de seca, a situação atual é inédita.


Pela primeira vez na história o rio ficou abaixo de um metro. A situação é tão inédita que o SGB precisou instalar uma nova régua de medição que vai até 0 centímetros.


O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) vê "ponto de atenção" por causa da seca, mas não cita possibilidade da falta de energia. "O Sistema Interligado Nacional (SIN) dispõe de recursos suficientes para atender as demandas de carga e potência da sociedade".

Seca hidrelétricas rondônia — Foto: Arte g1

Fonte: G1-Rondônia